Introdução
Nossa relação com a água remete a nossa própria existência, partindo do princípio que nos desenvolvemos em uma bolsa de água durante nove meses e a partir daí esta relação coexiste em nossas vidas: água para beber, para lavar, curar e purificar.
A cada época e lugar sentimos essa incontrolável necessidade de se relacionar com esse elemento da natureza. Nosso enredo é uma viagem pela relação entre a humanidade e a água. Mais do que um hábito de higiene, o banho reflete a história e o desenvolvimento cultural de um povo e suas crenças, a história do banho traça a trajetória da civilização.
Partimos de 3 mil anos atrás até a atualidade. Trazemos à tona esse longo banho, misturando as suas gotas, significados, símbolos e desejos, personagens anônimos e lendários que, através dos tempos, testemunharam as transformações ocorridas com esta prática e os rituais relativos à ela, bem como alguns aspectos imutáveis ao longo do tempo, que fazem do banho uma necessidade inquestionável e eterna.
É com a limpidez de espírito e com orgulho que a Beija-Flor de Nilópolis conta este enredo, lavada e perfumada, em seu momento de estrela, e vem banhar-se de alegria e beleza, agitando as águas da história e envolvendo a todos com uma suave espuma de prazer e felicidade.
Sinopse
Hoje o samba vem mergulhar de corpo e alma no azul cristalino das águas do tempo, abrindo as comportas da história, num rio mágico de fantasia que jorram cores nesta folia, lavando as manchas do passado, passando a limpo a humanidade, dando um banho de alegria nesta maravilhosa cidade.
É o Beija-Flor que navega nas espumas flutuantes, atravessando eras, remando em asas, nas águas claras e fascinantes, da sua fértil imaginação. E inventa assim num céu para seu vôo encantado, no espelho mágico que reflete líquido, o néctar doce e puro de sua fonte de inspiração. No borbulhar da história, faz emergir o limiar de um hábito, um milenar costume que o Egito nos ensinou, um misto de mito, rito e de prazer. Uma dádiva do Nilo, que ao banhar esse povo moreno, nos legou esse saber.
Saber quão salutar é esta prática, uma receita de bem viver, um instrumento de beleza. Segredo de uma mulher que se fez símbolo maior de realeza, a rainha do deserto, deusa a se banhar de leite e perfume de flor, com tempero de sedução, que balançou impérios e conquistou corações.
Vai atravessando a cortina de fumaça que transpõe o tempo e chega ao Oriente, de onde exala o aroma das ervas que inebria a alma de água e calor, desvenda essa nuvem que limpa o corpo e a mente, que transpira os males, que renova o vigor. Bruma de saúde a se espalhar em vapor, como sopro divino, vindo do Olímpo de Zeus, como presente de Grego que o Império Romano recebeu e que a ele deu ares de festa, erguendo palácios de luxúria e lazer.
Vai viajar no espaço dos séculos, de um povo a desfrutar desta alegria limpa e líquida, descobrindo as delícias da água e do prazer de se banhar. Segue a vastidão de um Império, se expadindo e fluindo até chegar o momento do ocaso desse reinado, como um rio que seca, o fim de um sonho dourado de ter o mundo conquistado.
Por ordem da cruz, em nome de Deus, o hábito é condenado. E o que outrora dava prazer, ora se torna pecado, e o suor é o que lava o corpo fechado da humanidade, que adentra na imunda idade das trevas, onde o banho é excomungado.
Na escuridão da noite eterna, vai enxugando a intolerância de um tempo que cobriu a sujeira em vestes brancas, na busca de um corpo puro, casto e imune, e vai testemunhar que da mesma cruz e espada que reprime, se ascende o lume de uma nova era a se despertar. É o tempo de se lançar às águas em grandes aventuras, rumo ao descobrimento, tempo de lavar a mente e iluminar a razão, de procurar um novo mundo e nele encontrar a pureza. E nos corpos nus, reaprender a lição; se despir dos valores e mergulhar sem medo no lago natural do conhecimento, num banho de civilização.
Faz transpirar no velho mundo, esta limpa liberdade nativa, como a força e a luz do Renascimento, já que a suja Europa busca na ciência a alternativa misturando óleos e essências, lançando perfume no ar, num banho de cheiro a disfarçar o asseio de uma imunda nobreza que, de cara branca, perucas, jóias e rendas, veste a hipocrisia em fantasia de limpeza.
Vem mostrar ao povo mal acostumado que os humores do corpo decorrem do hábito abandonado, que assim disse um cientista que o micróbio mora ao lado daquilo que não é lavado, pois o que os olhos não exergam, um bom banho tira o mau olhado.
Traz à tona um novo tempo, tempos modernos de saúde e bem viver, onde o banho vira moda e a humanidade assim limpa e prosa, reinventa esse prazer. Quando o sabão se torna sabonete, perfume a alcance do povo, este povo que ao tempo que passa inventa mais um banho novo e segue cantando no chuveiro, dançando na chuva, dourando ao sol ou na fria luz da lua, de luxo sob as espumas, de lama e de loja, pura beleza, se amando de fato num banho de gato na mais louca safadeza.
E assim, entre pingos e gotas, jorros e ondas, seguimos na correnteza deste banho de alegria, que nos traz a certeza de quem banha o corpo, hoje também lava a alma nesta folia. O samba, que traz no seu batuque a africana magia, depois de dar um banho de história e cultura, vem se banhar em sua fé, e a Beija-Flor vem lavar a passarela nas cores de uma aquarela, saudando seus orixás e purificando toda cidade ao se banhar de axé.